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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

KAFKIANAS

Weber Abrahão Júnior*
advocaciaweber@gmail.com

As fotografias de Franz Kafka são protegidas por aura de tristeza profunda. O olhar, perdido a meio caminho entre a câmara e o fotógrafo, sustenta a linha fina dos lábios e do queixo. Com formação jurídica, Franz Kafka trabalhou sua vida breve na burocracia. Judeu tcheco escreveu obras em alemão para serem purificadas através do fogo, que nunca veio.

Tomada por pais opressores e venais, administradores e tarefas impossíveis de serem cumpridas, sua obra, na figura auto-referente de “K.” , transita absorvida pelo mundo dos objetos e das relações mediatizadas.

O eixo de sua angústia pode ser encontrado na “Carta ao Pai”, escrita cinco anos antes da morte tuberculosa: “meus escritos tratavam de você, neles eu expunha as queixas que não podia fazer a seu respeito”.

Na leitura do filósofo alemão Walter Benjamin, em Kafka “o pai é a figura que pune. A culpa o atrai, como atrai os funcionários da justiça. Há muitos indícios de que o mundo dos funcionários e o mundo dos pais são idênticos em Kafka. Essa semelhança não os honra. Ela é feita de estupidez, degradação e imundície.”

“O Processo” é obra inacabada, labiríntica; reelabora os cenários de um mundo administrado pela razão que o instrumentaliza e cega sua compreensão. A administração, rede impessoal de atribuições, e a lógica fria e monstruosa da lei, presentes também em outras obras, assumem no Prozess uma dimensão absurdamente ampliada: culpa, adiamento, expiação. A Justiça, assim como a Política, são substituídas pelo Destino, entendido enquanto inevitável Fatalidade.

O animal de A Toca, o pobre Gregor Samsa da Metamorfose, o burocrata K. em O Castelo, assim como outros personagens, permitem localizar o indivíduo na obra de Franz. Diante de uma sociedade que o absorve, digere e dejeta, o indivíduo percorre um longo caminho, do desconhecimento de si e do mundo, até a percepção dolorosa do malogro a que foi submetido. Muitas vezes, tarde demais. Sempre tarde demais. Inutilmente. Mas apontando para os que ficam, a possibilidade da crítica.
Oscilando entre ação e angústia, Franz Kafka traduziu sua dor em uma obra fundamental para a compreensão do século vinte. Não é pouco para quem se considerava um fracasso.

Franz Kafka nasceu em 1883 na cidade de Praga, Boêmia (hoje República Tcheca), então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Morreu exatamente um mês antes de completar quarenta anos de idade. Pediu ao amigo Max Brod para queimar seus escritos. Devemos agradecer-lhe a infidelidade...

* advogado militante, professor e leitor assíduo de Kafka desde o século passado.

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