Powered By Blogger

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NOVAS RESOLUÇÕES PARA O ANO NOVO QUE SE APROXIMA



*Weber Abrahão Júnior
                                                                       



Elaboramos listas no final de cada ano. De presentes que não daremos. De presentes que não ganharemos. De decisões seminais eternamente adiadas, mas que agora finalmente vão sair do papel. De desejos, vontades e necessidades.

Portanto custa nada fazer mais uma. Tudo bem que é uma lista pessoal, mas de repente você leitor pode identificar-se com algum item e fazer uma “colinha”. Você também pode inverter a ordem ou mesmo eliminar algum item. Vamos lá:


1. Devolver os livros, cd’s, dvd’s, revistas e quadrinhos emprestados, desde que identificados os proprietários (essa é difícil: tenho um “buraco de minhoca” domesticado em casa; ele transporta esses itens para galáxias distantes em velocidade de dobra fator dez!);


2. Reduzir o consumo de produtos que diminuem as possibilidades de uso das roupas atualmente dependuradas no armário. Reciclar tecidos, plásticos, borrachas, papéis e tudo o mais que possa ser entulho em sua casa, mas que possam ter alguma serventia para algo, alguém.


3. Descobrir uma finalidade útil para as revistas semanais lidas, não arquivadas por desinteresse, empilhadas e entulhando a biblioteca de casa, já que não temos gaiolas nem canis.


4. Entender de uma vez por todas que a energia deve fluir e seguir seu curso. Não existe energia “boa” ou energia “ruim". Apenas energia. Desse modo, aplicar os princípios básicos da física sobre sua perda e conservação. Meu corpo não é pilha nem bateria para armazenar mais do que o necessário para o funcionamento regular do organismo, incluindo todos os sistemas físicos, mentais, intelectuais e emocionais.


5. Agir de forma sustentável, mas sem economizar no amor, na amizade e no apreço.


6. Visitar os amigos sem cuidado com a hora, deixando-se ficar na alegria dos momentos compartilhados.


7. Visitar desconhecidos onde quer que a vida tenha lhes dado abrigo, deixando-se ficar com ouvidos atentos e coração sereno.


8. Cuidar de plantas e animais, segurar bebês no colo, andar devagar na chuva, esquecer as chaves do carro.


9. Tirar do armário o tênis e caminhar muito. Sem pressa, sem relógio, sem competir com o próprio corpo.


10. Agradecer todos os dias a oportunidade de viver nesse lugar, nessa época, nessas circunstâncias, com os que amo, pelo tempo que tenho.



*Advogado militante, professor; todo final de ano oscila entre fazer nova lista de resoluções ou praticar a do ano anterior.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A PAZ NA TERRA



                        * Weber Abrahão Júnior


Vladmir Maiakovski foi poeta russo no século passado. Deixou-se morrer aos trinta e seis anos. Apaixonado pelo ideal revolucionário, sonho das esquerdas políticas desde pelo menos o jacobinismo francês. Operário das letras trabalhava sua escritura como o ourives burila o metal. Incompreendido em seu tempo. Explosivo e genial.


Do que conheço de sua obra, prefiro os poemas do Maiakovski apaixonado por Lilia Brik. Mas mesmo na exposição explosiva de seu romantismo, a explosão revolucionária não abandonava as suas palavras.


Nos anos oitenta do século passado, Gal Costa gravou uma poesia musicada de Vladmir, com música de Caetano Veloso e Ney Costa Santos: O Amor. Poema de amor projetado em um futuro sem diferenças sociais, onde a vida seria plena. Nessa utopia do século trinta, amores mal vividos teriam uma segunda chance. Mas, para além do romance, esse sentimento amoroso transbordaria, envolvendo a tudo e a todos.


Seria um juízo final à moda socialista. Todos os amantes ressuscitados, todos os amores restaurados. No coração do pai, todo o universo. No ventre da mãe, a Terra.


Beto Guedes é músico e poeta mineiro da geração do Clube da Esquina. Minha lembrança mais antiga de suas canções é O Sal da Terra. Coincidentemente, esta semana ele concedeu entrevista à Leda Nagle, no programa Sem Censura, da Rede Brasil, comemorando trinta anos de carreira. Magro como sempre, desgrenhadamente grisalho, um sorriso apenas esboçado no rosto tímido. Mas um vigor musical imprevisível!


O Sal da Terra é também um apelo utopista. Viver mais duzentos anos, sem ferir meu semelhante, mas também sem me ferir. Para construir a vida nova vamos precisar de todos. A Terra, “nave nossa irmã”, maltratada por dinheiro, a maçã do homem.


Os ritos de passagem marcam os ciclos vitais dos homens. Natal e Ano Novo costumam servir de desculpas para exageros: promessas que jamais serão cumpridas; empenhos que nunca serão pagos; desperdício de alimento e energia.


Deixo Vladmir Maiakovski e Beto Guedes com as palavras. Porque não sou poeta, mas também anseio o futuro!


Ressuscita-me!
Ainda que mais não seja, porque sou poeta e ansiava o futuro.
Ressuscita-me! Para que a partir de hoje, a partir de hoje, a família se transforme.
E o pai seja pelo menos o universo.
E a mãe, seja no mínimo a Terra,
a Terra,
a Terra...


Deixa nascer, o amor, deixa fluir, o amor
Deixa crescer o amor,
Deixa viver, o amor
O sal da terra



* Advogado militante e professor universitário, trabalhou na versão uberlandense do Clube da Esquina, quando conheceu Beto Guedes e Vladmir Maiakovski.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

PÉ NA ESTRADA SEM DESTINO


                       
* Weber Abrahão Júnior


Li Jack Kerouak aos dezessete ou dezoito anos. On the RoadPé na Estrada. Editado pela Brasiliense, no boom editorial brasileiro do início dos anos 1980. Obra da geração beat, década de 1950. Jovens recém saídos da Segunda Guerra Mundial inconformados com o estilo de vida americano (mulher, dois filhos, casinha sem muros no subúrbio, churrasco com os vizinhos aos domingos, emprego estável na cidade).


Pé na estrada, sem rumo, sem lenço nem documento. De trem, de ônibus, de carona, a pé, literalmente. Compromisso com a busca de uma identidade perdida. Fazendo bicos, pagando a comida e o pouso. Ensaio geral para os hippies da década seguinte.


Easy Rider – Sem Destino, assisti por volta dos trinta anos. Dois malucos na pele de Peter Fonda e Dennis Hopper (ou seriam Peter Fonda e Dennis Hopper na pele de dois malucos? Naquelas circunstâncias dava na mesma) atravessando os Estados Unidos montados em um símbolo da liberdade sobre rodas – a icônica Harley-Davidson. O que deveria ser uma viagem de libertação torna-se uma bad trip. Final trágico, prenúncio de tempos bicudos.


A cultura pop americana dos anos cinquenta do século passado chegou primeiro ao mercado brasileiro na forma de grandes tiragens literárias, antes das locadoras de fitas VHF divulgarem os clássicos do cinema do final dos anos sessenta. Dai essa falta de sincronismo entre as duas leituras citadas acima.


Pé na estrada sem destino. Política de expansão de fronteiras. Remember Alamo. Espaço, a fronteira final. Obsessão cultural do ocidente exponenciada pela indústria cultural norte-americana, traduzida na ideologia do non-stop: a música não pode parar; o show deve continuar; fluxo permanente de partes/pessoas/automóveis/hambúrgueres e coisas da mesma natureza.


Pois bem. Circular pelas cidades brasileiras de qualquer tamanho tem sido uma grande e perigosa aventura. Sobre uma malha viária que jamais se expandirá por geração espontânea, circulam cada vez mais um número cada vez maior de veículos e pessoas, nessa ordem.


A existência de regramentos legais para permitir uma ordem mínima no fluxo permanente de partes/pessoas/automóveis não é suficiente para racionalizar o caos. Do mesmo modo, educação para o trânsito, nem pensar.


Achamo-nos no direito de fabricar um fluxo permanente de descontrole provocado por idiossincrasias individuais, traduzidas na forma de falação ao celular, auscultação musculosa de todo gênero musical conhecido - de preferência o barulhento, cegueira momentânea em relação aos sinais de trânsito, incontinência muscular da perna direita diante das placas de Pare, surdez conveniente e passageira perante a buzinada de alerta.


Mas os finais têm sido trágicos, de todo modo. Motoristas, motociclistas e motoqueiros não são alvejados no peito por caipiras empunhando espingardas, como em Easy Rider. Mas morrem acidentados. Dennis Hopper já passou de fase, inclusive (mas por outros motivos).


E aí, a casinha sem muros no subúrbio vai esperar inutilmente.



* Advogado militante, professor universitário, viajou de Uberlândia até Brasília montado em uma CG 125 cilindradas aos vinte anos de idade.  

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A POLÊMICA SOBRE O ATO MÉDICO


* Weber Abrahão Júnior



Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no balanço parcial do Censo 2010, divulgado em 04 de novembro deste ano, Minas Gerais ficou em segundo lugar em número de pessoas residentes no estado, com 19.159.260 de habitantes. Somente São Paulo supera estes números.

Pelas informações do IBGE, a cidade de Uberlândia tem 579 mil habitantes, quase 78 mil a mais do que o último Censo. Em dez anos a população cresceu cerca de 15%.


No campo Serviços de Saúde, Uberlândia possui, segundo o sítio do IBGE na internet, 313 estabelecimentos de saúde, dos quais 85 são públicos – estaduais, federais ou municipais, e os restantes 228 são privados, sendo destes 220 privados com fins lucrativos.

É por todos conhecida a falência do sistema público de saúde em nosso país, e nem a pretensão de salvá-la com a reedição da CPMF, agora denominada CSS – Contribuição Social para a Saúde, resolverá o problema a toque de caixa.

Sabemos que a realidade do atendimento público à saúde é precária: as consultas médicas efetuadas no SUS, em função da exigüidade do tempo e do número de pacientes, dura poucos minutos, inviabilizando a realização de diagnósticos acurados.

Segundo dados dos Conselhos da Saúde do Estado de São Paulo, o Estado brasileiro realiza anualmente um bilhão de consultas médicas e cerca de meio bilhão de exames, em todo o país. No entanto, essa extensa cobertura não impede a existência de cinqüenta milhões de doentes crônicos e, nos termos dos Conselhos, isso se deve à incapacidade do SUS em fazer um diagnóstico clínico completo das doenças e disfunções.


Pois bem. Diante de tal quadro insere-se a polêmica do Ato Médico, a partir da aprovação, pela Câmara dos Deputados, no dia 21 de outubro do Projeto de Lei 7.703/2006, que regula o exercício da medicina e determina que procedimentos devem ser realizados exclusivamente pelos médicos. A proposta da lei é de deixar mais restritas e detalhadas as regras quanto aos procedimentos médicos, o que vai provocar muitos debates e talvez ações judiciais entre outras áreas da saúde.

O pano de fundo da discussão pode ser assim traduzido: no exercício regular de sua profissão, nos termos do Ordenamento Constitucional e Jurídico Pátrio, o que pode ou não fazer o médico?


Sob o enfoque jurídico, parece-nos que um dos principais desdobramentos da polêmica provocada pela aprovação do PL 7.703/2006 na Câmara dos Deputados decorre da interpretação do artigo 4º e suas implicações no campo da responsabilidade civil do médico.

O referido artigo estabelece quais são as atividades privativas do médico, em seu inciso primeiro: a formulação do diagnóstico nosológico e a respectiva prescrição terapêutica. O mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, estabelece os atos que não são privativos dos médicos: os diagnósticos psicológico, nutricional e socioambiental e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva e psicomotora.

Ainda o mesmo artigo 4º, em seu parágrafo sétimo, resguarda as competências específicas das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas.

Temos aqui um verdadeiro vácuo legislativo, em relação às competências e responsabilidades específicas das outras profissões da área da saúde, mormente as elencadas no parágrafo em comento.


Assim, voltamos ao aspecto que julgamos ser central no polêmico tema: diante da possível aprovação do PL 7.703/2006 e sua transformação em Lei, como lidar com a responsabilidade civil do médico em relação às atividades intrínsecas à profissão, como estabelece o Projeto de Lei?

Segundo dados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2002 a 2009 o número de ações judiciais por erro médico que tramitam junto a este órgão do Poder Judiciário triplicou!

Em decisão recente do STJ em Recurso Especial (REsp 605.435-RJ), foram responsabilizados solidariamente por erro médico que levou paciente de cirurgia plástica à vida vegetativa: o anestesista, o cirurgião plástico e também a clínica onde foi realizado o procedimento cirúrgico. Tudo nos termos da Legislação Civil, do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição Federal do Brasil.

Em que pesem as polêmicas em torno do PL do Ato Médico, ele representa um esforço de regulamentação de uma das mais importantes e nobres profissões exercidas pelo ser humano. E, para além das polêmicas, devem os profissionais da saúde, de um modo geral, observar o comando insculpido no artigo 2º do referido PL do Ato Médico:

O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza.

* Advogado militante, cursando Especialização em Direito Civil pela Universidade Federal de Uberlândia.


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SEM CULPA E SEM VÍTIMAS


                        * Weber Abrahão Júnior


A filosofia existencialista afirma que o homem primeiro existe, para depois ser alguma coisa. A liberdade, fundamento da existência humana, é o que permite as nossas escolhas. O homem, condenado à sua própria liberdade, não pode se omitir de fazer suas escolhas e assumi-las.


No ano de 1979, o professor Eduardo Portella, então Ministro da Educação do regime militar e signatário da Lei da Anistia, era constantemente pressionado pela truculência do SNI (órgão de espionagem da ditadura militar), devido às suas posições políticas não alinhadas com o sistema. Ele renunciou ao cargo e saiu-se com uma frase de simbolismo e registro existencialista: não sou ministro, estou ministro.

Pois bem. Se a condição humana primordial é a existência, e seu fundamento é a liberdade de escolha, não deveríamos colocar nosso umbigo, ou seja, nossa possibilidade de ser, como responsabilidade alheia. Foi a escolha do professor. O seu ser humano não estava adstrito a uma condição existencial passageira, a de estar, circunstancialmente, exercendo um cargo público.

Não somos, estamos como seres existentes. Podemos escolher, mas a escolha implica em renúncia, muitas vezes dolorosa. Ou, como Caetano Veloso sintetiza: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

A liberdade de escolha depende da compreensão do conceito de intencionalidade: nossa consciência tende para algo fora de nós mesmos, tornando-se consciência de alguma coisa. Assim, damos significado ao que experimentamos, simbolizando nossas experiências.


Qual experiência significa mais à nossa consciência, a saudade dos ausentes no tempo e no espaço? Ou sentar-se ao lado de um estranho no cinema? O olhar do homem sobre o mundo e sempre é o ato pelo qual o homem o experiencia, percebendo, imaginando, julgando, amando, temendo.

A fenomenologia, matriz da filosofia existencialista, tem como preocupação central a descrição da realidade. Ela coloca como ponto de partida da reflexão o próprio homem no esforço de encontrar o que realmente é dado na experiência e descrevendo o que se passa do ponto de vista daquele que vive determinada situação concreta.

Poderíamos utilizar esses rudimentos de fenomenologia e existencialismo para traçar algumas breves considerações sobre a Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010.

Comanda a referida EC/66 que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Deste modo, suprime os requisitos de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos.

Inexistindo interesse de menores, tal divórcio, consensualmente resolvido pelas partes, pode ser inclusive promovido cartorialmente. Sem requerimento de prazo, sem testemunhas, sem a famigerada prova de culpa.

No ordenamento civil pátrio, anterior à Emenda Constitucional 66, comandava o artigo 5º da Lei 6.515/77 que “a separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum”.

Quantos e quantos processos de separação litigiosa arrastavam-se pelos tribunais, promovendo verdadeira lavação de roupa suja judicial, expondo intimidades do casal para ao fim se definir de quem seria a culpa pelo fim da sociedade conjugal? Quanto sofrimento para familiares, e principalmente para os filhos? Quanto tempo perdido?

Ora, se o amor acabou, se a convivência tornou-se insuportável, se o encanto dos primeiros dias virou fardo, por que projetar sobre o companheiro ou a companheira a culpa pela situação? Por que posar de vítima, se as escolhas são sempre nossas?

O exercício da liberdade implica em escolhas e renúncias. A experiência do ser no mundo é única, pessoal e intransferível. Ela significa, representa, simboliza nossos desejos, necessidades e vontades. Saibamos, todos nós usá-la com sabedoria! Sem culpa, sem vítimas.


* advogado militante, professor universitário e convicto da verdade contida nas palavras de Sartre, quando afirma: estamos condenados à liberdade!