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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NOVAS RESOLUÇÕES PARA O ANO NOVO QUE SE APROXIMA



*Weber Abrahão Júnior
                                                                       



Elaboramos listas no final de cada ano. De presentes que não daremos. De presentes que não ganharemos. De decisões seminais eternamente adiadas, mas que agora finalmente vão sair do papel. De desejos, vontades e necessidades.

Portanto custa nada fazer mais uma. Tudo bem que é uma lista pessoal, mas de repente você leitor pode identificar-se com algum item e fazer uma “colinha”. Você também pode inverter a ordem ou mesmo eliminar algum item. Vamos lá:


1. Devolver os livros, cd’s, dvd’s, revistas e quadrinhos emprestados, desde que identificados os proprietários (essa é difícil: tenho um “buraco de minhoca” domesticado em casa; ele transporta esses itens para galáxias distantes em velocidade de dobra fator dez!);


2. Reduzir o consumo de produtos que diminuem as possibilidades de uso das roupas atualmente dependuradas no armário. Reciclar tecidos, plásticos, borrachas, papéis e tudo o mais que possa ser entulho em sua casa, mas que possam ter alguma serventia para algo, alguém.


3. Descobrir uma finalidade útil para as revistas semanais lidas, não arquivadas por desinteresse, empilhadas e entulhando a biblioteca de casa, já que não temos gaiolas nem canis.


4. Entender de uma vez por todas que a energia deve fluir e seguir seu curso. Não existe energia “boa” ou energia “ruim". Apenas energia. Desse modo, aplicar os princípios básicos da física sobre sua perda e conservação. Meu corpo não é pilha nem bateria para armazenar mais do que o necessário para o funcionamento regular do organismo, incluindo todos os sistemas físicos, mentais, intelectuais e emocionais.


5. Agir de forma sustentável, mas sem economizar no amor, na amizade e no apreço.


6. Visitar os amigos sem cuidado com a hora, deixando-se ficar na alegria dos momentos compartilhados.


7. Visitar desconhecidos onde quer que a vida tenha lhes dado abrigo, deixando-se ficar com ouvidos atentos e coração sereno.


8. Cuidar de plantas e animais, segurar bebês no colo, andar devagar na chuva, esquecer as chaves do carro.


9. Tirar do armário o tênis e caminhar muito. Sem pressa, sem relógio, sem competir com o próprio corpo.


10. Agradecer todos os dias a oportunidade de viver nesse lugar, nessa época, nessas circunstâncias, com os que amo, pelo tempo que tenho.



*Advogado militante, professor; todo final de ano oscila entre fazer nova lista de resoluções ou praticar a do ano anterior.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A PAZ NA TERRA



                        * Weber Abrahão Júnior


Vladmir Maiakovski foi poeta russo no século passado. Deixou-se morrer aos trinta e seis anos. Apaixonado pelo ideal revolucionário, sonho das esquerdas políticas desde pelo menos o jacobinismo francês. Operário das letras trabalhava sua escritura como o ourives burila o metal. Incompreendido em seu tempo. Explosivo e genial.


Do que conheço de sua obra, prefiro os poemas do Maiakovski apaixonado por Lilia Brik. Mas mesmo na exposição explosiva de seu romantismo, a explosão revolucionária não abandonava as suas palavras.


Nos anos oitenta do século passado, Gal Costa gravou uma poesia musicada de Vladmir, com música de Caetano Veloso e Ney Costa Santos: O Amor. Poema de amor projetado em um futuro sem diferenças sociais, onde a vida seria plena. Nessa utopia do século trinta, amores mal vividos teriam uma segunda chance. Mas, para além do romance, esse sentimento amoroso transbordaria, envolvendo a tudo e a todos.


Seria um juízo final à moda socialista. Todos os amantes ressuscitados, todos os amores restaurados. No coração do pai, todo o universo. No ventre da mãe, a Terra.


Beto Guedes é músico e poeta mineiro da geração do Clube da Esquina. Minha lembrança mais antiga de suas canções é O Sal da Terra. Coincidentemente, esta semana ele concedeu entrevista à Leda Nagle, no programa Sem Censura, da Rede Brasil, comemorando trinta anos de carreira. Magro como sempre, desgrenhadamente grisalho, um sorriso apenas esboçado no rosto tímido. Mas um vigor musical imprevisível!


O Sal da Terra é também um apelo utopista. Viver mais duzentos anos, sem ferir meu semelhante, mas também sem me ferir. Para construir a vida nova vamos precisar de todos. A Terra, “nave nossa irmã”, maltratada por dinheiro, a maçã do homem.


Os ritos de passagem marcam os ciclos vitais dos homens. Natal e Ano Novo costumam servir de desculpas para exageros: promessas que jamais serão cumpridas; empenhos que nunca serão pagos; desperdício de alimento e energia.


Deixo Vladmir Maiakovski e Beto Guedes com as palavras. Porque não sou poeta, mas também anseio o futuro!


Ressuscita-me!
Ainda que mais não seja, porque sou poeta e ansiava o futuro.
Ressuscita-me! Para que a partir de hoje, a partir de hoje, a família se transforme.
E o pai seja pelo menos o universo.
E a mãe, seja no mínimo a Terra,
a Terra,
a Terra...


Deixa nascer, o amor, deixa fluir, o amor
Deixa crescer o amor,
Deixa viver, o amor
O sal da terra



* Advogado militante e professor universitário, trabalhou na versão uberlandense do Clube da Esquina, quando conheceu Beto Guedes e Vladmir Maiakovski.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

PÉ NA ESTRADA SEM DESTINO


                       
* Weber Abrahão Júnior


Li Jack Kerouak aos dezessete ou dezoito anos. On the RoadPé na Estrada. Editado pela Brasiliense, no boom editorial brasileiro do início dos anos 1980. Obra da geração beat, década de 1950. Jovens recém saídos da Segunda Guerra Mundial inconformados com o estilo de vida americano (mulher, dois filhos, casinha sem muros no subúrbio, churrasco com os vizinhos aos domingos, emprego estável na cidade).


Pé na estrada, sem rumo, sem lenço nem documento. De trem, de ônibus, de carona, a pé, literalmente. Compromisso com a busca de uma identidade perdida. Fazendo bicos, pagando a comida e o pouso. Ensaio geral para os hippies da década seguinte.


Easy Rider – Sem Destino, assisti por volta dos trinta anos. Dois malucos na pele de Peter Fonda e Dennis Hopper (ou seriam Peter Fonda e Dennis Hopper na pele de dois malucos? Naquelas circunstâncias dava na mesma) atravessando os Estados Unidos montados em um símbolo da liberdade sobre rodas – a icônica Harley-Davidson. O que deveria ser uma viagem de libertação torna-se uma bad trip. Final trágico, prenúncio de tempos bicudos.


A cultura pop americana dos anos cinquenta do século passado chegou primeiro ao mercado brasileiro na forma de grandes tiragens literárias, antes das locadoras de fitas VHF divulgarem os clássicos do cinema do final dos anos sessenta. Dai essa falta de sincronismo entre as duas leituras citadas acima.


Pé na estrada sem destino. Política de expansão de fronteiras. Remember Alamo. Espaço, a fronteira final. Obsessão cultural do ocidente exponenciada pela indústria cultural norte-americana, traduzida na ideologia do non-stop: a música não pode parar; o show deve continuar; fluxo permanente de partes/pessoas/automóveis/hambúrgueres e coisas da mesma natureza.


Pois bem. Circular pelas cidades brasileiras de qualquer tamanho tem sido uma grande e perigosa aventura. Sobre uma malha viária que jamais se expandirá por geração espontânea, circulam cada vez mais um número cada vez maior de veículos e pessoas, nessa ordem.


A existência de regramentos legais para permitir uma ordem mínima no fluxo permanente de partes/pessoas/automóveis não é suficiente para racionalizar o caos. Do mesmo modo, educação para o trânsito, nem pensar.


Achamo-nos no direito de fabricar um fluxo permanente de descontrole provocado por idiossincrasias individuais, traduzidas na forma de falação ao celular, auscultação musculosa de todo gênero musical conhecido - de preferência o barulhento, cegueira momentânea em relação aos sinais de trânsito, incontinência muscular da perna direita diante das placas de Pare, surdez conveniente e passageira perante a buzinada de alerta.


Mas os finais têm sido trágicos, de todo modo. Motoristas, motociclistas e motoqueiros não são alvejados no peito por caipiras empunhando espingardas, como em Easy Rider. Mas morrem acidentados. Dennis Hopper já passou de fase, inclusive (mas por outros motivos).


E aí, a casinha sem muros no subúrbio vai esperar inutilmente.



* Advogado militante, professor universitário, viajou de Uberlândia até Brasília montado em uma CG 125 cilindradas aos vinte anos de idade.  

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A POLÊMICA SOBRE O ATO MÉDICO


* Weber Abrahão Júnior



Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no balanço parcial do Censo 2010, divulgado em 04 de novembro deste ano, Minas Gerais ficou em segundo lugar em número de pessoas residentes no estado, com 19.159.260 de habitantes. Somente São Paulo supera estes números.

Pelas informações do IBGE, a cidade de Uberlândia tem 579 mil habitantes, quase 78 mil a mais do que o último Censo. Em dez anos a população cresceu cerca de 15%.


No campo Serviços de Saúde, Uberlândia possui, segundo o sítio do IBGE na internet, 313 estabelecimentos de saúde, dos quais 85 são públicos – estaduais, federais ou municipais, e os restantes 228 são privados, sendo destes 220 privados com fins lucrativos.

É por todos conhecida a falência do sistema público de saúde em nosso país, e nem a pretensão de salvá-la com a reedição da CPMF, agora denominada CSS – Contribuição Social para a Saúde, resolverá o problema a toque de caixa.

Sabemos que a realidade do atendimento público à saúde é precária: as consultas médicas efetuadas no SUS, em função da exigüidade do tempo e do número de pacientes, dura poucos minutos, inviabilizando a realização de diagnósticos acurados.

Segundo dados dos Conselhos da Saúde do Estado de São Paulo, o Estado brasileiro realiza anualmente um bilhão de consultas médicas e cerca de meio bilhão de exames, em todo o país. No entanto, essa extensa cobertura não impede a existência de cinqüenta milhões de doentes crônicos e, nos termos dos Conselhos, isso se deve à incapacidade do SUS em fazer um diagnóstico clínico completo das doenças e disfunções.


Pois bem. Diante de tal quadro insere-se a polêmica do Ato Médico, a partir da aprovação, pela Câmara dos Deputados, no dia 21 de outubro do Projeto de Lei 7.703/2006, que regula o exercício da medicina e determina que procedimentos devem ser realizados exclusivamente pelos médicos. A proposta da lei é de deixar mais restritas e detalhadas as regras quanto aos procedimentos médicos, o que vai provocar muitos debates e talvez ações judiciais entre outras áreas da saúde.

O pano de fundo da discussão pode ser assim traduzido: no exercício regular de sua profissão, nos termos do Ordenamento Constitucional e Jurídico Pátrio, o que pode ou não fazer o médico?


Sob o enfoque jurídico, parece-nos que um dos principais desdobramentos da polêmica provocada pela aprovação do PL 7.703/2006 na Câmara dos Deputados decorre da interpretação do artigo 4º e suas implicações no campo da responsabilidade civil do médico.

O referido artigo estabelece quais são as atividades privativas do médico, em seu inciso primeiro: a formulação do diagnóstico nosológico e a respectiva prescrição terapêutica. O mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, estabelece os atos que não são privativos dos médicos: os diagnósticos psicológico, nutricional e socioambiental e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva e psicomotora.

Ainda o mesmo artigo 4º, em seu parágrafo sétimo, resguarda as competências específicas das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas.

Temos aqui um verdadeiro vácuo legislativo, em relação às competências e responsabilidades específicas das outras profissões da área da saúde, mormente as elencadas no parágrafo em comento.


Assim, voltamos ao aspecto que julgamos ser central no polêmico tema: diante da possível aprovação do PL 7.703/2006 e sua transformação em Lei, como lidar com a responsabilidade civil do médico em relação às atividades intrínsecas à profissão, como estabelece o Projeto de Lei?

Segundo dados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2002 a 2009 o número de ações judiciais por erro médico que tramitam junto a este órgão do Poder Judiciário triplicou!

Em decisão recente do STJ em Recurso Especial (REsp 605.435-RJ), foram responsabilizados solidariamente por erro médico que levou paciente de cirurgia plástica à vida vegetativa: o anestesista, o cirurgião plástico e também a clínica onde foi realizado o procedimento cirúrgico. Tudo nos termos da Legislação Civil, do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição Federal do Brasil.

Em que pesem as polêmicas em torno do PL do Ato Médico, ele representa um esforço de regulamentação de uma das mais importantes e nobres profissões exercidas pelo ser humano. E, para além das polêmicas, devem os profissionais da saúde, de um modo geral, observar o comando insculpido no artigo 2º do referido PL do Ato Médico:

O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza.

* Advogado militante, cursando Especialização em Direito Civil pela Universidade Federal de Uberlândia.


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SEM CULPA E SEM VÍTIMAS


                        * Weber Abrahão Júnior


A filosofia existencialista afirma que o homem primeiro existe, para depois ser alguma coisa. A liberdade, fundamento da existência humana, é o que permite as nossas escolhas. O homem, condenado à sua própria liberdade, não pode se omitir de fazer suas escolhas e assumi-las.


No ano de 1979, o professor Eduardo Portella, então Ministro da Educação do regime militar e signatário da Lei da Anistia, era constantemente pressionado pela truculência do SNI (órgão de espionagem da ditadura militar), devido às suas posições políticas não alinhadas com o sistema. Ele renunciou ao cargo e saiu-se com uma frase de simbolismo e registro existencialista: não sou ministro, estou ministro.

Pois bem. Se a condição humana primordial é a existência, e seu fundamento é a liberdade de escolha, não deveríamos colocar nosso umbigo, ou seja, nossa possibilidade de ser, como responsabilidade alheia. Foi a escolha do professor. O seu ser humano não estava adstrito a uma condição existencial passageira, a de estar, circunstancialmente, exercendo um cargo público.

Não somos, estamos como seres existentes. Podemos escolher, mas a escolha implica em renúncia, muitas vezes dolorosa. Ou, como Caetano Veloso sintetiza: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

A liberdade de escolha depende da compreensão do conceito de intencionalidade: nossa consciência tende para algo fora de nós mesmos, tornando-se consciência de alguma coisa. Assim, damos significado ao que experimentamos, simbolizando nossas experiências.


Qual experiência significa mais à nossa consciência, a saudade dos ausentes no tempo e no espaço? Ou sentar-se ao lado de um estranho no cinema? O olhar do homem sobre o mundo e sempre é o ato pelo qual o homem o experiencia, percebendo, imaginando, julgando, amando, temendo.

A fenomenologia, matriz da filosofia existencialista, tem como preocupação central a descrição da realidade. Ela coloca como ponto de partida da reflexão o próprio homem no esforço de encontrar o que realmente é dado na experiência e descrevendo o que se passa do ponto de vista daquele que vive determinada situação concreta.

Poderíamos utilizar esses rudimentos de fenomenologia e existencialismo para traçar algumas breves considerações sobre a Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010.

Comanda a referida EC/66 que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Deste modo, suprime os requisitos de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos.

Inexistindo interesse de menores, tal divórcio, consensualmente resolvido pelas partes, pode ser inclusive promovido cartorialmente. Sem requerimento de prazo, sem testemunhas, sem a famigerada prova de culpa.

No ordenamento civil pátrio, anterior à Emenda Constitucional 66, comandava o artigo 5º da Lei 6.515/77 que “a separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum”.

Quantos e quantos processos de separação litigiosa arrastavam-se pelos tribunais, promovendo verdadeira lavação de roupa suja judicial, expondo intimidades do casal para ao fim se definir de quem seria a culpa pelo fim da sociedade conjugal? Quanto sofrimento para familiares, e principalmente para os filhos? Quanto tempo perdido?

Ora, se o amor acabou, se a convivência tornou-se insuportável, se o encanto dos primeiros dias virou fardo, por que projetar sobre o companheiro ou a companheira a culpa pela situação? Por que posar de vítima, se as escolhas são sempre nossas?

O exercício da liberdade implica em escolhas e renúncias. A experiência do ser no mundo é única, pessoal e intransferível. Ela significa, representa, simboliza nossos desejos, necessidades e vontades. Saibamos, todos nós usá-la com sabedoria! Sem culpa, sem vítimas.


* advogado militante, professor universitário e convicto da verdade contida nas palavras de Sartre, quando afirma: estamos condenados à liberdade!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO: PREÇO JUSTO OU JUSTO PREÇO?





            *Weber Abrahão Júnior

Um dos filmes de época mais famosos dos anos oitenta do século passado foi O Nome da Rosa. Produção de 1986, direção de Jean-Jaques Annaud, famoso por Guerra do Fogo. O filme é adaptação do verborrágico e latinório romance policial do filólogo italiano Umberto Eco, bastante conhecido dos acadêmicos por um livreto denominado Como Escrever uma Tese.

É um misto de romance policial com críticas ao hermetismo literário do argentino Jorge Luis Borges – autor de grande literatura fantástica! Homenageia Sir Arthur Conan Doyle ao transformar um monge franciscano em Sherlock Holmes em plena Europa Medieval castigada pelas pestes do século XIV.

Tempo das catedrais, tempo da hegemonia católica sobre corpos, almas e mentes. Tempo do justo preço. Ao condenar o usurário ao fogo eterno do inferno, o discurso oficial da igreja determinava como padrão das trocas comerciais o justo preço. Se o lucro é pecado porque estaria sendo cobrado o tempo não utilizado na confecção de algum produto – e o tempo a Deus pertence, o justo preço nada mais seria do que a remuneração necessária para a continuidade da produção de bens e mais uma pequena quantia para garantir a sobrevivência do artesão.

O discurso hegemônico, predominante e recorrente nos tempos de agora indica a lei da oferta e da procura como parâmetro de determinação de preços de produtos e serviços. Desse modo, teríamos o preço justo como aquele capaz de equacionar necessidades e prioridades de consumo, considerando ainda a remuneração condizente com os investimentos feitos por quem produz ou oferece serviços.

No Boletim Comércio Justo de número 2, (disponível em http://coresdoglobo.org/boletim/02destaque.htm), somos informados que “para o IFAT – International Fair Trade Association - um preço justo é definido “num contexto regional ou local e é acordado de forma participativa e dialogante. Cobre não apenas os custos de produção mas permite uma produção social e ambientalmente sustentável. Garante um preço justo aos produtores e tem em conta o princípio de igual pagamento para mulheres e homens. O CJ procura ainda ter um pronto pagamento e facilitar pré-financiamento para a produção.

Restam sempre dúvidas angustiantes, nesses casos. Como equilibrar produção, consumo e sustentabilidade? Como articular cadeias de produção, distribuição e consumo paralelamente ao “mundo normal do comércio”, ou seja, aquele da obsolescência programada, do consumo irrefreado e irresponsável, da falta de compromisso com a sustentabilidade? Como superar as margens de lucros descabidas, a especulação, a injustiça social e econômica? Como garantir transparência de gestão?

A esse propósito, o Presidente Lula assinou no dia 17 deste mês de novembro o Decreto 7.358, criando o Sistema Nacional do Comércio Justo e Solidário – SCJS e seu Comitê Gestor.

Temos ali a definição legal de preço justo:
“é a definição de valor do produto ou serviço, construída a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos na sua composição que resulte em distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva.”

Partindo dos valores             que orientam uma cultura econômica solidária e participativa, preocupa-se o conceito legal com a cadeia de produção, distribuição e consumo, englobando ainda as preocupações relativas à sustentabilidade:
“apoiar processos de educação para o consumo, com vistas à adoção de hábitos sustentáveis e à organização dos consumidores para a compra dos produtos e serviços do comércio justo e solidário.”

Preço justo não é nem justo preço e muito menos liberdade irrestrita dos agentes econômicos no mercado.

Um preço justo significa que quando o consumidor entra numa loja de consumo justo, pode adquirir produtos com um custo mais próximo do seu real valor – e não com preços distorcidos por especulação, gastos publicitários fantasiosos, intermediários desnecessários e outros elementos geradores de inflação – inchaço artificial nos preços. Encontra, em suma, um preço justo para todos.

Por outro lado, no entanto, esse outro mundo possível que projeta o Decreto 7.358, em comento, como resultado de valores e concepções associativas, cooperativas e assemelhados, conseguirá sobreviver à fúria consumista e desagregadora das incontroláveis “forças do mercado”? Enquanto a visão do consumidor entender o trabalho de associações e cooperativas como curiosidade antropológica, lembrancinhas exóticas ou mesmo coisa pra turista admirar, não teremos muitas saídas.


 * Advogado militante, professor e consumidor interessado em preços justos!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DE PESCADORES E DE INVASORES DE CORPOS




Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers) é produção norte-americana de 1956, dirigido por Don Siegel. Existe uma refilmagem de 1978, por Philip Kaufmann, muito inferior ao original.

É a história de uma invasão extraterrestre silenciosa, nada convencional.

Sementes espaciais caem abundante e aleatoriamente em território norte-americano. Parasitas, esperam pela noite para atacar os seus hospedeiros humanos.

Ligam-se às vítimas por hastes semelhantes às gavinhas das trepadeiras, insidiosamente. 


Madrugada adentro, drenam lentamente a energia vital dos corpos invadidos, (na infeliz tradução brasileira – melhor seria dizer corpos capturados, ou roubados), preenchendo uma vagem com uma cópia perfeita do corpo humano roubado.


Ao nascer do dia, dos humanos parasitados sobra apenas uma embalagem vazia, uma pele sem corpo, uma casca sem alma.

São cópias mais-que-perfeitas dos humanos substituídos, e trabalham em sintonia de colméia para espalhar novos casulos pela cidade. Perderam sua individualidade, sendo agora verdadeiros membros de uma coletividade desprovida de personalidade, comunicando-se por gritos-chiados.

Invasão silenciosa, insidiosa, a emular a paranóia anticomunista dos anos da Guerra Fria, período que contextualiza a versão original, de 1956.

Na versão de 1978, o pretenso herói da fita, interpretado pelo canadense Donald Sutherland – soberbo, é uma espécie de Seu Lineu da série de TV A Grande Família. Ou seja, é um fiscal da saúde pública.

Transportando o tema para os dias que correm, deixando de lado a histórica e sociologicamente superada paranóia anticomunista, o que resta? Não seria apenas a nostalgia das distopias de ficção científica.

De fato, restam ao menos duas metáforas.

A primeira e mais perceptível de imediato, traduz-se naquilo que os marxianos – os leitores de Marx, poderiam denominar como alienação, condição dos que estão separados de sua essência humana, sua personalidade, sua condição de pertencer simultaneamente a um tempo histórico, a uma classe social e a uma realidade racionalmente considerada.

A segunda, como subtexto e leitura complementar, projeta-se ainda e mais uma vez como crítica do desequilíbrio ecológico, nos parâmetros já anteriormente indicados nesta coluna: a parte não será maior que o todo, por mais pretensão que tenha. Assim, em uma espécie de vingança da “Mãe Natureza”, o Reino Vegetal herdaria o planeta, ou no mínimo dispensaria a companhia da humanidade.

A síntese perfeita dessas duas possíveis e sombrias conclusões, eu tive o desconforto de vivenciar neste final de semana prolongado pelo feriado republicano.


Em rancho de pescaria, vai-se para descansar dos sons, cores e ritmos da cidade. Para acordar às cinco e meia da manhã no breu do horário de verão, descer ao tablado e descansar a mente na ponta de um caniço de pescaria. Se o peixe visita a isca, devolvemos a gentileza indicando-lhe o caminho de casa.

Infelizmente, nos ranchos de pescaria também existe vizinhança sem noção.

Carregam para a beirada do rio o desvario da cidade, reunindo-se em frente a um aparelho de TV ligado em volume máximo para assistir a um assim chamado reality show genérico produzido por uma rede de televisão genérica, que, por incrível que pareça, tem como cenário uma propriedade rural

Nessas horas até esperamos por uma Revolução Vegetal, verdadeira revanche verde, nos moldes do Jacobinismo republicano da Revolução Francesa!




Weber é advogado militante, professor universitário e pescador bissexto, contrariado com a moçada que desperdiça o feriado alheio com barulho importado da cidade.


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

REDUZIR OFERTA SEM REDUZIR PREÇO: DESCONFIE!

Em meados dos anos 1970, a imprensa descobriu nas prateleiras dos supermercados brasileiros, após denúncias freqüentes, o litro de óleo de 0,9 litro. Explico. As empresas fabricantes de óleo de cozinha vendiam o produto em embalagens que indicavam conter um litro, mas entregavam apenas 0,9 litro.

Um verdadeiro golpe contra o consumidor, dentre tantos outros comuns naquela época. Inexistiam informações sobre validade do produto, data de fabricação, ingredientes, etc. Mas, por conta do óleo de cozinha com volume adulterado, começava aí um longo processo e intensa campanha que culminou com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.078 de 1990.  

Pois bem. Hoje não é incomum encontrarmos nos supermercados os mais diversos produtos com um aviso de redução de peso, volume ou conteúdo. Nada escapa ao reducionismo industrial. Papel higiênico, iogurte, óleo de cozinha, maionese, requeijão cremoso, dentre outros.

No entanto, o que não se vê é relação direta ou imediata entre a redução de peso, volume ou conteúdo ser acompanhada por redução de preço, proporcionalmente. Desse modo, aparentemente, as empresas podem burlar os direitos do consumidor sem sofrer nenhum tipo de punição.

De fato, assistimos a uma lenta e progressiva lesão aos direitos do consumidor, muitas vezes com o disfarce da expressão “nova embalagem”. Na prática, as empresas acabam praticando aumento real de preços.

De acordo com Othon Silva Abrahão (disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/24122/23685), ... “ No caso dos sabões em pó, a redução de 10% no peso representa um aumento real de 11,11% no preço. Para o papel higiênico, encolher o rolo de 40 para 30 m, ou em 25%, significa um aumento de 33,33% de gasto com esse produto. O aumento do preço para os biscoitos, quando encolhidos de 200 para 160 g (20%), é de 25%.

Os ovos, com uma “dúzia de dez”, sofrem um aumento real de 20%! Isso interfere diretamente no orçamento doméstico, no planejamento da despensa ou estoque e, por fim, na inflação gerada com tais aumentos. Certamente os órgãos responsáveis por estimar os índices de aumentos dos preços da cesta básica devem estar atentos a essa alteração e não poderão deixar de considerar esse aumento nos cálculos da inflação do período.”


Sob o pretexto de adequação aos novos padrões de consumo, reduzem o conteúdo, o peso ou o volume das mercadorias sem reduzir o preço.

Essa prática fere os princípios da boa-fé objetiva, da transparência nas relações de consumo e da proteção dos interesses econômicos do consumidor, todos com previsão no artigo 4º, caput do Código de Defesa do Consumidor, que comanda:

A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
            I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;           
(...)
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

Além disso, essas reduções traduzem práticas comerciais abusivas, não podendo ficar sem fiscalização e punição, conforme o princípio jurídico definido no inciso VI do CDC:

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

Quando insistimos aqui na necessidade de viabilização do consumo sustentável, sob uma perspectiva ambientalmente correta e de base constitucional, não temos obviamente em vista os abusos cometidos pelas empresas como acima indicado.

Só tem um pequeno problema aqui. A euforia das festas de fim de ano muitas vezes não permite atenção a esses fatos, correndo-se o risco de sermos tachados de chatos de plantão.

A solução, para fazer valer o verdadeiro consumo sustentável, é denunciar esses abusos ao Ministério Público, fiscal da lei, para que as diretrizes do CDC sejam respeitadas, preservando os direitos do consumidor e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

"É dos homens políticos mudar ; mudar é também dos filósofos, e também dos juristas, é de todos os espíritos humanos." Rui Barbosa

Ecologia Humana: desculpas e reparação




Por Vilmar Berna*, do Portal do Meio Ambiente



Quando causamos um dano a alguém, seja voluntário ou não, a boa educação exige que peçamos desculpas. Entretanto, além de desculpas, também precisamos reparar os prejuízos e, além disso, também demonstrar que mudamos e que estamos nos esforçando de verdade para remover os motivos que nos levaram a ter de pedir desculpas, sob pena de persistirmos errando e sendo obstáculos às boas relações.

São regras de civilidade e justiça que valem tanto individual quanto coletivamente, tanto no presente quanto para rever erros e políticas passadas. Na Ditadura, por exemplo, em que pessoas foram perseguidas e mortas a mando do Governo – com o apoio ou a omissão da maior parte do povo brasileiro -, a anistia foi uma espécie de pedido de desculpas da nação, e uma forma também de não criminalizar nem um lado nem o outro, entretanto, isso não livrou o Estado Brasileiro de reparar os danos aos perseguidos ou a seus familiares.

Cabe perguntar, então, em que momento o Estado reparou os danos provocados contra os negros e índios pelo período em que os submeteu à Escravidão no Brasil? Alguns índios e negros ainda conseguiram o direito a viverem em aldeias e quilombos, mas a grande maioria foi incorporada à sociedade sem qualquer tipo de reparação, perpetuando uma situação de injustiça e sofrimento que dura ate hoje e que clama por reparação.

Durante quase quatrocentos anos da Historia Brasileira, índios e negros foram forçados a trabalharem para seus opressores. Grosso modo, os índios cuidavam da economia interna e da subsistência, e os negros da economia de exportação. Assim, estiveram impedidos de investirem na própria promoção socioeconômica e educacional, enquanto construíam fortunas alheias e as infra-estruturas e cidades que permitiram ao pais se tornar a potência de hoje. Com o fim da Escravidão, essas pessoas foram lançadas sem formação nem posses numa sociedade de classe que mede os indivíduos pelo seu poder de consumo. Assim, a Escravidão formal acabou, mas seus prejuízos se perpetuaram, ate hoje.

Alguns intelectuais gostam de imaginar o Brasil como uma democracia racial, entretanto, basta visitar as favelas, as prisões, os transportes públicos populares para constatar uma maioria de negros e mulatos. E se quiser ver onde esta a maioria dos brancos, basta entrar num avião, num navio de cruzeiro, no Congresso Nacional, na Justiça, no Clero, no oficialato das Forcas Armadas, nas organizações que reúnem empresários, ir aos bairros com boa infra-estrutura, universidades particulares. Não se trata de promover o ódio racial ou colocar ricos contra pobres, mas de promover a justiça social e, para isso, não podemos continuar convivendo com a mentira de uma democracia racial que só existe na teoria e na vontade de alguns intelectuais.

Na verdade, somos uma nação dividida por classes econômicas, e não é por acaso que as pessoas de cor preta e morena são maioria entre os pobres, e as de cor branca são maioria entre os ricos e classe media. As raízes disso não estão em alguma inferioridade de negros e mulatos e superioridade dos brancos. A origem esta na opressão que perdurou durante quase quatro séculos e que pode e deve ser reparada agora.

Acabar com a Escravidão foi fundamental, mas isso não libertou apenas negros e índios, mas também os opressores de terem de se responsabilizar pela manutenção de seus escravos, e a todo o povo, da mancha da iniqüidade e da vergonha moral de aceitar, por ação ou omissão, uma política publica de exploração do outro com base na discriminação pela cor da pele ou origem de nascimento.

Incluir na Constituição Brasileira a proibição de qualquer forma de discriminação foi outro avanço importante para assegurar direitos de cidadãos a todos igualmente. Entretanto, só pedidos de desculpas e reconhecimento dos erros do passado não bastam, ainda ficou falta reparar os negros e índios pelos danos causados.

Uma tentativa de reparação começou com o sistema de cotas para o acesso dos negros a universidade, mas trata-se de um sistema imperfeito, pois pressupõe a idéia de privilegio, quando na verdade se trata de justiça. Entretanto, apesar da necessidade de aperfeiçoamento, o sistema de cotas tem o mérito de propor o debate sobre a necessidade de reparar os danos aos negros e índios.

Tais mecanismos de reparação deveriam ser ainda mais amplos, de forma a assegurarem o acesso de negros e índios a créditos subsidiados a serem pagos no futuro com concessão de vagas para o primeiro emprego a jovens da comunidade, por exemplo. O Governo poderia criar no BNDES uma linha de credito especial para este fim, para que os descendentes dos negros e índios que sofreram com a Escravidão pudessem ser reparados dos danos que os atingem ainda hoje, estimulando a capacidade empreendedora e de trabalho dessas pessoas, oferecendo recurso a fundo perdido ou a créditos subsidiados para aquisição de terras, veículos, equipamentos, matérias primas para a produção e a geração de emprego e renda, além de oferecer isenções parciais ou totais de impostos e doação de terras para novos empreendimentos - como já se faz hoje com os demais empreendedores -, aumentando suas chances de mobilidade e ascensão entre as classes sociais.

Também deveriam ter assegurados sistema de créditos educativos subsidiados que os permitissem escolher e pagar pelas melhores escolas particulares e técnicas e ter acesso a escolas públicas com base em mérito - créditos que poderiam ser pagos no futuro, depois de formados, com horas de trabalho à comunidade. Um mérito que seria alcançado também através de credito educativos que permitissem acesso a livros, conhecimentos, bens culturais, ensino de apoio, etc.

São apenas alguns indicativos para mostrar que é possível, quando se quer fazer. O Brasil não poderá se considerar um país justo e civilizado enquanto não reparar economicamente, de alguma forma, aos negros e índios que ajudaram, ainda que de forma obrigada, a construir a riqueza, a infra-estrutura e a riqueza deste país.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (http://www.portaldomeioambiente.org.br/) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (http://www.portaldomeioambiente.org.br/). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas –http://www.escritorvilmarberna.com.br/

(Envolverde/Portal do Meio Ambiente)

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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

SUSTENTABILIDADE E SUPER-CONSUMO




A Felicidade não se Compra (It’s a Wonderful Life) é um clássico do cinema de todos os tempos. Produção norte-americana de 1946, direção de Frank Kapra e bela atuação de James Stewart, um dos atores icônicos de Hitchcock.

Em Bedford Falls, cidadezinha do interior dos EUA, às vésperas do Natal, George Bailey (James Stewart), pensa em se matar saltando de uma ponte. Durante toda a sua vida, ele abdicara de estudo e viagens, em favor do irmão mais novo e da continuidade dos negócios da família, após a morte do pai.

Emprestando dinheiro a operários que queriam comprar casa própria, enfrenta sempre a ganância de Henry Potter (Lionel Barrymore), o homem mais rico da região.

Cansado de lutar contra o vilão e muito endividado, George resolve tirar a própria vida. Mas tantas pessoas rezam por ele que Clarence (Henry Travers), um anjo que espera há 220 anos para ganhar asas, é mandado a Terra, para tentar fazer George mudar de idéia.


As lojas e shoppings vêm nos lembrando do Natal a partir do mês de agosto. Desde então já colocaram à venda todos os tipos de enfeites, made in China. Tudo muito over , como manda o figurino da sociedade de consumo.

Essa época do ano explicita nossa esquizofrênica incapacidade de equacionar consumo de curto prazo e sustentabilidade de longo prazo. Como se sabe, e já abordado anteriormente, sustentabilidade é conceito constitucionalizado e pressupõe capacidade de gerar bem estar para as atuais e futuras gerações humanas em condições de equilíbrio.

No entanto, o fenômeno do super-consumo pode ser verificado em níveis macro e micro cada vez com maior intensidade, com o consequente desperdício, que nem é percebido enquanto tal. Aliás, o super-consumo é resultado de superprodução, que equivale a desperdício!

Os super-consumistas tornam-se superendividados. Em nível micro, “devo não nego, pago quando puder”. Tratamentos psicológicos, ajuda de familiares. Projetos de diversos Tribunais de Justiça no Brasil tentam equacionar o problema. Seria de fundo moral? Seria algum tipo de síndrome? Tem remédio?

Ainda não existem respostas conclusivas, mas o problema já foi constatado.

Em nível macro: o consumo perdulário é problema moral das sociedades humanas? Estamos todos doentes? A criação de um “Tribunal Internacional de Proteção à Sustentabilidade” traria as soluções viáveis e necessárias?

Afinal, “Essa é uma Vida Maravilhosa” ou “A Felicidade não se Compra”? O personagem de James Stewart no filme em comento tem a chance de voltar ao passado e acompanhar a vida de sua cidadezinha em uma linha de tempo alternativa. Nela, sem a presença do mocinho, o vilão se apoderou da cidade, transformando-a em uma pocilga.

A alternativa, no filme, é encarar o problema e solucioná-lo. George Bailey sobrevive, a cidade comemora. Os dias seguintes serão difíceis, mas quem tem amigos não está desamparado jamais.

A nossa alternativa? Educação ambiental, educação para o consumo. Educação. Exemplo.