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quinta-feira, 31 de março de 2011

A LEI MARIA DA PENHA E A PROTEÇÃO DO HOMEM EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Weber Abrahão Júnior*
advocaciaweber@gmail.com

Conheci um cidadão que apanhava regularmente da esposa, três ou quatro vezes por mês, todos os meses. Eram bofetões, empurrões, unhadas, dentre outras. Ele contava essa história triste e com tristeza, todas as vezes que nos encontrávamos. Quando questionado em relação à insistência em perdurar o relacionamento, recordava aquela moda sertaneja: “é o amor...”

Depois de alguns anos sem vê-lo, reencontrei-o recentemente. Separado da esposa “street fighter”, de companheira nova e sem escoriações. Motivo da separação: no último episódio de violência doméstica, foi hospitalizado com fraturas em braço e pernas. Dessa vez a dor falou mais alto que o amor...

A propósito do tema, a Lei Maria da Penha foi promulgada há cerca de cinco anos e, como se sabe, tem como escopo a proteção da mulher contra a violência doméstica e familiar. Nos termos de sua ementa:

“Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
Pois bem. A polêmica hoje gira em torno de dois aspectos:
1. A constitucionalidade da lei, já que trataria desigualmente os iguais, pois homens e mulheres são considerados iguais, sem qualquer distinção, nos termos do artigo 5º, caput da nossa Constituição Federal. A existência de uma lei que busca a proteção apenas das mulheres em situação de violência familiar poderia descaracterizaria esse comando constitucional denominado princípio da isonomia. Recente decisão do STF confirmou a constitucionalidade de um dos artigos da Lei Maria da Penha, o 41, que não permite a aplicação de instrumentos normativos para descaracterizar o crime de violência contra a mulher.

Segundo o Ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.

Em outras palavras, se existe o princípio da igualdade formal (teórica) entre homens e mulheres, para que ela se torne material (prática), é preciso que os desiguais sejam desigualmente tratados, para que ao final todos se equiparem.

Se a mulher é a “parte frágil” das relações familiares, natural protegê-la preferencialmente. No entanto, ainda persiste o debate sobre a constitucionalidade de todo o texto normativo dessa Lei. O STF está, desde outubro do ano passado, apreciando a matéria.

2. A sua aplicabilidade para homens em situação de violência doméstica é outro aspecto polêmico. Desde a promulgação da lei existem várias decisões favoráveis à aplicação da norma protetiva em comento a homens em situação de violência doméstica. Recentemente, decisão de primeira instância no Rio Grande do Sul, na comarca de Rio Pardo, decidiu pela aplicação da Lei Maria da Penha a uma relação homossexual e concedeu medida de proteção a um homem que afirmou estar sendo ameaçado pelo ex-companheiro.

Segundo o Portal IG (Último Segundo), “... a decisão do juiz Osmar de Aguiar Pacheco foi tomada na última quarta (23/02/2011) e anunciada nesta sexta pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A medida obriga o homem a manter uma distância de, no mínimo, 100 metros do ex-companheiro, sob pena de prisão.”

Veja-se esse acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, de 2009, que decidiu favoravelmente recurso manejado contra decisão de primeira instância, por advogado que defendeu um homem que fora vítima de violência doméstica perpetrada por sua companheira:

"HABEAS CÓRPUS. MEDIDAS PROTETIVAS, COM BASE NA LEI Nº. 11.340/2006, A CHAMADA LEI MARIA DA PENHA, EM FAVOR DO COMPANHEIRO DA PACIENTE. POSSIBILIDADE. PRINCIPIO DA ANALOGIA IN BONAM PARTEM...”

Quem sabe se, na época em que ocorreu o caso contado acima, existisse a Lei Maria da Penha meu amigo não teria movido uma ação de indenização contra a esposa? Depois de requerer ordem judicial restritiva contra ela, obviamente...




*professor universitário e advogado militante, pouco inspirado hoje...

quinta-feira, 24 de março de 2011

TUDO O QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR

Weber Abrahão Júnior*
advocaciaweber@gmail.com

Marshall Berman escreveu um livro relativamente famoso no final dos anos 1980: Tudo o que é Sólido Desmancha no Ar. A obra partia de uma afirmação do pensador alemão Karl Marx que contextualizava a modernidade como um fluxo constante de mudanças e incertezas.
A modernidade assim seria marcada pela “certeza da dúvida”: o permanente refazer institucional a serviço de um determinado sistema de poder, vincado na exploração econômica de cunho liberal-burguês.
Para outro pensador alemão que viveu sua maturidade humana e intelectual no olho de um furacão conhecido como Primeira Guerra Mundial, o sociólogo Max Weber, o aspecto central da modernidade seria a consolidação dos processos de dominação racional-legal.
Nesse sentido, a dominação na modernidade pressupõe consentimento (ou legitimação) das relações de comando-obediência por parte dos dominados, fundada na existência de leis, criadas por uma autoridade estatal e que submeteria a todos, indistintamente.
Em termos jurídicos, Max Weber reconhecia o princípio da isonomia como elemento estruturante da sociedade moderna, fundada no respeito às relações sociais baseadas nos contratos de vontades, explícitas e escritas.
Pois bem. Fala-se aos quatro cantos e pelos cotovelos, que o Brasil finalmente alcançou a modernidade. Traduz-se tal feito com dados estatísticos, principalmente os ligados à renda e ao consumo.
No entanto, no campo das relações institucionais, percebemos uma grande distância entre a chamada isonomia legal (“somos todos iguais perante a lei”) e as enormes e absurdas discriminações cotidianas (desigualdade de fato, como no caso do você sabe com quem está falando?).
Nesse sentido, o Brasil é um país moderno sem modernidade: as normas que protegem e garantem a isonomia, todas de fundamento constitucional, precisam ser repisadas, reinventadas e reinterpretadas por uma inflação legislativa infraconstitucional.
Desse modo, repete-se ainda e mais uma vez a distância entre intenção e gesto, como já abordado em artigos anteriores.
Observamos essa situação no cotidiano das relações institucionalizadas, burocratizadas, nos termos weberianos, ou alienantes, na conceituação marxiana:
1) As mulheres que, embora tenham qualificação capacidade e competência, recebem na iniciativa privada, salários em média trinta por cento menores que os homens, embora supostamente submetidos todos aos mesmos critérios de igualdade.
2) Os ocupantes de cargos de comando que confundem as atribuições funcionais com qualidades ou poderes excepcionais subjetivos, justificadores desmandos e incompetências em geral.
3) E também os chefes, gerentes, administradores, contaminados com o vírus do mandonismo, incapazes de delegar mas rápidos na isenção das próprias responsabilidades.
4) A absoluta falta de transparência nas relações de subordinação, além da sistemática sonegação de informações, inclusive a respeito de desempenho e eficiência. Normalmente tais informações são repassadas no momento da demissão, como mero indicativo de alegada incapacidade profissional.
Tudo o que é sólido desmancha no ar. Respiramos hoje os ares da modernidade institucional com um atraso de cinco gerações, retardo esse conceitualmente indicado por alguns periódicos como sintomas de uma “democracia imperfeita”.
Somos uma sociedade que se obriga a mediar as relações sociais por instrumentos contratuais calcados no princípio da igualdade formal (teórica, insisto). Mas que, simultaneamente, abre acintosas brechas para o descumprimento de tais contratos, inclusive com respaldo técnico, legal e jurídico.
De fato, tudo o que é sólido desmancha no ar. Inclusive os direitos dos chamados hipossuficientes, aqueles a quem a lei determina proteção especial, sob pena de violação do princípio da igualdade.
Mas essa já é outra história...

*advogado militante, professor universitário e defensor da transformação da isonomia teórica em igualdade real. Nos termos da justiça, que nem sempre equivale à lei...

terça-feira, 1 de março de 2011

VAMOS ESTAR COMBINANDO O SEGUINTE

Weber Abrahão Júnior*
advocaciaweber@gmail.com

Férias na Bahia, Salvador, meados dos anos 1980. Celular era sonho de Gene Roddenberry, pai do seriado Jornada nas Estrelas. Saudades da família. Toca ligar pra casa. Orelhão nenhum na praia. Posto telefônico das Telebahia, só atravessar a rua, meu bom!

Chegando lá, hora do almoço, o aviso escrito a mão justificava as portas fechadas ao atendimento ao público: “fomos almoçar; voltamos às 12h30min (mais ou menos)...

Corta para o final dos anos 1990. Conversando com um grande mestre e amigo, recém-chegado de um curso de pós-graduação. Conversa informal. E, a cada frase, ele se saía com um “vamos estar fazendo isso”, “vamos estar planejando aquilo”. Meus ouvidos soaram um alarme, pois tinha um cheiro de queimado no ar. Seria esse modo de falar estranho uma moda? Ou estaria eu diante de uma péssima dublagem de um filme “b” norte-americano?

Meus parcos conhecimentos da língua inglesa me diziam que esse “gerundismo” (conheci esse neologismo tempos depois) só podia ser cópia mal compreendida da prosódia (o jeitão de falar) do inglês como falado nos EUA.

Na ocasião, não saberia dizer se meu mestre e amigo se expressava daquele modo para, de forma pedante, impressionar o interlocutor, ou se era puro e simples vício de linguagem.

Só percebi o modismo e seu poder de se alastrar por corações e mentes ao utilizar os serviços de atendimento ao consumidor, invenção contemporânea à minha conversa com o amigo, através dos call centers. Os atendentes dessas centrais de relacionamento especializaram-se no gerundismo (obviamente depois de “estarem fazendo cursos”)!

E dá-lhe “vamos estar transferindo sua ligação”, ao invés de estaremos transferindo sua ligação; “vamos estar providenciando seu pedido”, ao contrário do que, segundo o bom senso, seria correto dizer vamos providenciar seu pedido, dentre outras pérolas (irregulares e sem brilho).

Mas, longe de mim escrever esse texto para criticar o gerundismo! No fundo, penso que ele, sem querer, nos presta um enorme serviço cultural. Afinal, o “going to”, ou se você preferir, o “vamos estar indo/fazendo/estando”, etc., nada mais é do que a expressão lingüística do espírito pragmático de nosso Grande Irmão (epa!) da norte-américa.

O “vamos estar” sugere, simultaneamente, presteza, agilidade e compromisso: cumpriremos o combinado no prazo, pois neste exato momento já estamos providenciando seu pedido/sua reivindicação/seu direito! (ou melhor, “vamos estar providenciando”). No menor tempo, da melhor maneira possível. Prestaremos contas de nossas atividades, de forma transparente.

Aí me permito sonhar. Se o gerundismo sair do confinamento dos call centers e ganhar os gabinetes de prefeitos, governadores, deputados e senadores em geral, talvez ganhemos em eficiência no uso e na aplicação do dinheiro público.

Se o gerundismo, sinônimo então de eficiência, presteza, agilidade e compromisso (ao menos em intenção e teoria), invadir e ocupar a administração pública e, por que não, também a privada, poderemos até reduzir a burocracia (ou o burocratismo, termo mais correto) e seus efeitos perversos na sociedade, como o nepotismo, a corrupção endêmica, a lentidão da máquina pública e a brutal desigualdade social.

Vamos então “estar combinando” o seguinte: o que pode “estar sendo feito hoje”, não “vamos estar deixando para estar fazendo amanhã”!
Estamos combinados?

*advogado militante, professor universitário e deficiente auditivo para gerundismo.

(P.S. Semana que vem volto ao tema dos espaços urbanos. Carnaval pede assuntos mais amenos, certo?)