*Weber Abrahão Júnior
Um dos filmes de época mais famosos dos anos oitenta do século passado foi O Nome da Rosa. Produção de 1986, direção de Jean-Jaques Annaud, famoso por Guerra do Fogo. O filme é adaptação do verborrágico e latinório romance policial do filólogo italiano Umberto Eco, bastante conhecido dos acadêmicos por um livreto denominado Como Escrever uma Tese.
É um misto de romance policial com críticas ao hermetismo literário do argentino Jorge Luis Borges – autor de grande literatura fantástica! Homenageia Sir Arthur Conan Doyle ao transformar um monge franciscano em Sherlock Holmes em plena Europa Medieval castigada pelas pestes do século XIV.
Tempo das catedrais, tempo da hegemonia católica sobre corpos, almas e mentes. Tempo do justo preço. Ao condenar o usurário ao fogo eterno do inferno, o discurso oficial da igreja determinava como padrão das trocas comerciais o justo preço. Se o lucro é pecado porque estaria sendo cobrado o tempo não utilizado na confecção de algum produto – e o tempo a Deus pertence, o justo preço nada mais seria do que a remuneração necessária para a continuidade da produção de bens e mais uma pequena quantia para garantir a sobrevivência do artesão.
O discurso hegemônico, predominante e recorrente nos tempos de agora indica a lei da oferta e da procura como parâmetro de determinação de preços de produtos e serviços. Desse modo, teríamos o preço justo como aquele capaz de equacionar necessidades e prioridades de consumo, considerando ainda a remuneração condizente com os investimentos feitos por quem produz ou oferece serviços.
No Boletim Comércio Justo de número 2, (disponível em http://coresdoglobo.org/boletim/02destaque.htm), somos informados que “para o IFAT – International Fair Trade Association - um preço justo é definido “num contexto regional ou local e é acordado de forma participativa e dialogante. Cobre não apenas os custos de produção mas permite uma produção social e ambientalmente sustentável. Garante um preço justo aos produtores e tem em conta o princípio de igual pagamento para mulheres e homens. O CJ procura ainda ter um pronto pagamento e facilitar pré-financiamento para a produção.”
Restam sempre dúvidas angustiantes, nesses casos. Como equilibrar produção, consumo e sustentabilidade? Como articular cadeias de produção, distribuição e consumo paralelamente ao “mundo normal do comércio”, ou seja, aquele da obsolescência programada, do consumo irrefreado e irresponsável, da falta de compromisso com a sustentabilidade? Como superar as margens de lucros descabidas, a especulação, a injustiça social e econômica? Como garantir transparência de gestão?
A esse propósito, o Presidente Lula assinou no dia 17 deste mês de novembro o Decreto 7.358, criando o Sistema Nacional do Comércio Justo e Solidário – SCJS e seu Comitê Gestor.
Temos ali a definição legal de preço justo:
“é a definição de valor do produto ou serviço, construída a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos na sua composição que resulte em distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva.”
Partindo dos valores que orientam uma cultura econômica solidária e participativa, preocupa-se o conceito legal com a cadeia de produção, distribuição e consumo, englobando ainda as preocupações relativas à sustentabilidade:
“apoiar processos de educação para o consumo, com vistas à adoção de hábitos sustentáveis e à organização dos consumidores para a compra dos produtos e serviços do comércio justo e solidário.”
Preço justo não é nem justo preço e muito menos liberdade irrestrita dos agentes econômicos no mercado.
Um preço justo significa que quando o consumidor entra numa loja de consumo justo, pode adquirir produtos com um custo mais próximo do seu real valor – e não com preços distorcidos por especulação, gastos publicitários fantasiosos, intermediários desnecessários e outros elementos geradores de inflação – inchaço artificial nos preços. Encontra, em suma, um preço justo para todos.
Por outro lado, no entanto, esse outro mundo possível que projeta o Decreto 7.358, em comento, como resultado de valores e concepções associativas, cooperativas e assemelhados, conseguirá sobreviver à fúria consumista e desagregadora das incontroláveis “forças do mercado”? Enquanto a visão do consumidor entender o trabalho de associações e cooperativas como curiosidade antropológica, lembrancinhas exóticas ou mesmo coisa pra turista admirar, não teremos muitas saídas.
* Advogado militante, professor e consumidor interessado em preços justos!